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Foto do escritorCarlos Neiva

A consciência segundo John Henry Newman

Atualizado: 17 de jul. de 2019



O Beato John Henry Newman não foi só um homem de extrema fé, que sofreu perseguições e tudo suportou fielmente. Ele é também teólogo e exímio defensor da fé católica, porém, seu grande legado foi sem dúvida sua filosofia sobre a consciência, que lhe gerou o título de “Doutor da Consciência”.


Considerado o maior convertido ao catolicismo do final do século XIX, John Henry Newman nasceu em Londres no dia 21 de Fevereiro de 1801. Ainda criança, tornou-se calvinista, mas mudou para o cristianismo anglicano na juventude, ordenando-se sacerdote em 1824. Tornou-se o líder intelectual do Movimento de Oxford (ou Movimento Tractariano), que promoveu toda uma renovação da igreja inglesa, reavivando a liturgia e o conhecimento dos Padres da Igreja. A sua conversão ao catolicismo deu-se em 9 de Outubro de 1845, sendo pois o passo final da sua evolução interior e um abalo tremendo para a nação que há séculos desprezava a Igreja Romana.Sobre isso, observa seu contemporâneo R. H. Hutton: “Quando Newman decidiu unir-se à Igreja de Roma, sua genialidade floresceu com uma força e liberdade como nunca floresceu na comunhão anglicana”.


Em 1846, foi ordenado sacerdote católico em Roma e fez-se membro da Congregação do Oratório. Retornando à Inglaterra, abriu ali um oratório onde viveu muitos anos dedicado à pregação, à direção espiritual e à apologética. Em reconhecimento pelo seu trabalho pastoral, foi nomeado cardeal por Leão XIII em 1879. Ao morrer, em 1890, já deixara escrito seu epitáfio: “Exumbris et imaginibus in veritatem” (“das sombras e fantasmas em direção à verdade”) referindo-se ao seu processo de conversão. G. K. Chesterton escreveu que John Henry Newman “não tem seguidores no seu tempo, mas muitíssimos no nosso”.Foi beatificado pelo papa Bento XVI em 19 de Setembro de 2010.


O mesmo papa Bento XVI falou dele, evocando entre outros a atualidade da sua concepção de consciência: “No pensamento moderno, a palavra ‘consciência’ significa que em matéria de moral e de religião, a dimensão subjetiva, o indivíduo, constitui a última instância da decisão. A concepção que Newman tem da consciência é diametralmente oposta. Para ele ‘consciência’ significa a capacidade de verdade do homem: a capacidade de reconhecer precisamente nos âmbitos decisivos da sua existência — religião e moral — uma verdade, ‘a’ verdade. A consciência, a capacidade do homem de reconhecer a verdade, impõe-lhe com isto, ao mesmo tempo, o dever de se encaminhar para a verdade, de a procurar e de se submeter a ela onde a encontra. Consciência é capacidade de verdade, e obediência em relação à verdade, que se mostra ao homem que procura com coração aberto. O caminho das conversões de Newman é um caminho da consciência — um caminho não da subjetividade que se afirma, mas, precisamente ao contrário, da obediência em relação à verdade que, passo a passo, se lhe abria”.


O que o papa diz é que Newman trouxe uma objetividade à consciência. Essa concepção de Newman sobre a consciência é inédita no sentido de que vai contra qualquer teoria de que a consciência é algo subjetivo, díspar da objetividade do ato moral, porém bem mais do que isso, para Newman a consciência não é só a voz do eu que diz subjetivamente, mas é também a voz de Deus que fala ao homem de dentro dele. São suas palavras:


“A norma e a medida do dever não é a utilidade, a conveniência, a felicidade do maior número de pessoas, a razão de Estado, a oportunidade, a ordem ou o pulchrum. A consciência não é um egoísmo clarividente, nem o desejo de ser coerentes consigo mesmo, mas sim a mensageira d’Aquele, o qual, quer no mundo da natureza, quer no da graça, nos fala por detrás de um véu e nos instrui e governa por meio dos seus representantes. A consciência é o originário vigário de Cristo, profética nas suas palavras, soberana na sua peremptoriedade, sacerdotal nas suas bênçãos e nos seus anátemas; e se acaso viesse a faltar na Igreja o eterno sacerdócio, na consciência permaneceria o princípio sacerdotal e ele teria o domínio”.


Newman vê na consciência não só a assinatura de Deus, mas o meio pelo qual Deus fala ao homem, diz dela que é a “advogada da verdade”, não no sentido que é ela a medida ou mediadora da verdade, o que levaria ao subjetivismo ou ao relativismo, onde cada um formaria as convicções do que é certo ou errado conforme suas consciências, mas, antes disso, a consciência trabalha em prol da verdade objetiva, orientando o homem à ela por dentro, subjetivamente.


Newman disse sobre a consciência certa vez em um de seus sermões aos universitários: “O próprio homem não tem poder sobre ela [a consciência], ou apenas com extrema relutância; ele não a fez, ele não pode destruí-la. Pode silenciá-la em casos ou instruções particulares, pode distorcer suas enunciações, mas não consegue, ou é exceção se conseguir, emancipar-se dela. Ele pode desobedecê-la, pode se recusar a utilizá-la; mas ela permanece”. A consciência é uma “vozinha” inevitável, que apesar de anestesiada por muitos, não pode ser morta. Assim, para Newman, um homem que se dispõe retamente a seguir sua consciência tem grandes chances de encontrar a verdade, como de fato ele mesmo encontrou no seu processo de conversão.


O que faz de Newman um pensador genial é a sua capacidade de relacionar o subjetivo e o objetivo, sabendo selecionar boas coisas de uma filosofia cada vez mais desligada da realidade e afastada da fé ao mesmo tempo em que trazia Deus e afirmava o valor da pessoa humana. Seu personalismo pode não ter sido compreendido na sua época, fazendo com que fosse perseguido por muitos, tanto da ala católica quanto anglicana, mas como afirmou Chesterton, ele teve uma série de seguidores posteriores, sobretudo os da linha personalista, onde cabe citar com destaque Edith Stein (1891-1942), que traduziu sua The ideaof a University (“A ideia de uma universidade”).


Por que personalismo? Bom, a antropologia de Newman está intrinsecamente ligada a sua noção de consciência, pois, para ele, a pessoa humana não é um ser completo, mas em constante desenvolvimento, o que a distingue dos outros seres. A partir desta perspectiva antropológica, reconhecemos no ser humano esta capacidade de se fazer e de se deixar fazer, de se conformar com o dinamismo próprio daquilo que é, como ser no qual existe uma abertura fundamental para o Bem e para a Verdade.Assim, a consciência moral é a faculdade que permite à pessoa discernir, nas circunstâncias concretas e particulares em que decorre a sua vida, o rumo certo para seguir a sua orientação interior fundamental para o Bem e para a Verdade, sendo ela, deste modo, a peça central neste dinamismo da pessoa humana na construção de si mesma.


Por isso, diz o beato: “Qual a peculiaridade da nossa natureza, em contraste com os animais inferiores à nossa volta? Consiste ela em que o Homem, embora não consiga mudar aquilo com que nasceu, é um ser de progresso […]; cada um de nós tem a prerrogativa de completar a sua própria natureza imperfeita e rudimentar, de desenvolver a sua própria perfeição a partir dos elementos vivos com que a sua mente começou a existir”.


Assim, adverte o papa Bento XVI, ainda quando era cardeal: “Newman explicava a existência do homem a partir da consciência, isto é, na relação entre Deus e a alma, era também claro que este personalismo não representava cedência alguma ao individualismo, e que o vínculo à consciência não significava concessão alguma à arbitrariedade tratava-se antes precisamente do contrário”.


Consciência para ele era a revelação interna de Deus, o catolicismo é a revelação externa e objetiva. Esta força de duas dimensões opunha-se ao agnóstico, ao racionalista, ao simples mundano. Newman sempre afirmou plenamente a dignidade da consciência subjetiva, sem nunca se desviar da verdade objetiva. Ele não diria: “Consciência sim, Deus ou fé ou Igreja não”, mas antes: “Consciência sim, e precisamente por isto, Deus e fé e Igreja sim”. A consciência é, como exposto acima,“o originário vigário de Cristo”.



REFERÊNCIAS


MARCHETTO, Michele. John Henry Newman e Edith Stein: mestres porque testemunhas. SNPC. 03 dez.2017. Disponível em: <http://www.snpcultura.org/john_henry_newman_e_edith_stein_mestres_porque_testemunhas.html>. Acesso em: 19 jun. 2018.


NEWMAN, John Henry. Sermões em diversas ocasiões. São Paulo: Molokai, 2016.


OSSERVATORE ROMANO. Doutor da Consciência. 18 set. 2011. Disponível em: <http://www.osservatoreromano.va/pt/news/doutor-da-consciencia>.Acesso em: 19 jun. 2018.


PAIVA, Fernando Paiva de. Consciência moral em John Henry Newman: como via parachegar à fé e ao conhecimento de Deus, a partir de An essay in aid of a grammar of assent. Covilhã: Lusosofia, 2013.


RATZINGER, Joseph. Discurso do Cardeal Joseph Ratzinger no Centenário da Morte do Cardeal John Henry Newman. 28 abr. 1990. Disponível em: <http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19900428_ratzinger-newman_po.html>. Acesso em: 19 jun. 2018.>. Acesso em: 19 jun. 2018.

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