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Foto do escritorCarlos Neiva

A decadência do heroísmo


Originalmente publicado em 2016.


Esteve em cartaz nos cinemas o tão prometido filme da Fox, onde essa vai tentar se redimir por todos os péssimos filmes baseados em quadrinhos que vem fazendo desde que decidiram comprar os direitos de alguns títulos da editora Marvel Comics. Talvez eu vá ver esse filme, talvez não. Entretanto, uma coisa é certa, Deadpool é o herói que nossa geração merece.


Em primeiro lugar, quero deixar claro que não sou um velho mal humorado pela nova geração de super-heróis. Nem mesmo um purista que se encasquetou com uma censura de dezoito anos para um filme de super-heróis. Conheço o senhor Wade Wilson há muito tempo antes de os blogs começarem a noticiar a possibilidade de um filme. Tenho pilhas de revistas do Mercenário Tagarela, e posso sem sombras de dúvidas me posicionar como alguém que conhece o Deadpool e que conhece essa geração.


Mas antes de falar dessa geração, tal como de seus heróis, é necessário comentar a geração passada, pois se os heróis mudaram, é porque não somos mais as mesmas pessoas que acreditavam no american dream.


Há alguns anos atrás, o mundo parecia um lugar melhor para se viver. O que não quer dizer que era um mundo mais seguro. Oh, não. Era um mundo tão perigoso ou até mais que o nosso. Era um mundo onde alienígenas destruíam a Casa Branca, um homem podia fazer uma bomba usando um pouco de açúcar e um clipe, chineses representavam uma ameaça maior que pastéis de frango estragados, o diabo fazia pactos com atletas radicais, crianças tinham contato com resíduos nucleares, e um louco podia andar pelos telhados surrando deficientes mentais.


Entretanto, mesmo com um mundo tão atribulado, as pessoas não tinham medo. Podiam viver tranquilas em seus afazeres cotidianos sem se preocupar com a probabilidade de que elas poderiam ser, uma entre alguns milhões, as escolhidas ao cargo de reféns de um super-vilão.


Você poderia chamar a todos de imbecis ou no mínimo otimistas incuráveis, pois se um gorila gigante sobe o alto do Empire State Building, o mínimo que se deve fazer é entrar em pânico. Entretanto, os habitantes de Metrópolis apenas apontavam para os céus e perguntavam se aquilo que voava era um pássaro ou um avião.


Não há porque entrar em pânico quando um homem incrivelmente forte, com dentes perfeitos, um belo penteado e um queixo quadrado, que pode fazer literalmente qualquer coisa, decide voar pelos céus derrotando monstros e salvando gatinhos presos em árvores. Um homem que inclusive não sabemos quem é, pois após salvar a todos, não fica para receber os aplausos, mas volta para frente de sua máquina de escrever e vai fingir ser um simples jornalista. Vai fazer o seu trabalho como qualquer outro cidadão americano.


O que vem primeiro: o ovo ou a galinha? É a sociedade que cria seu herói a sua imagem, ou a sociedade apenas imita seu modelo de perfeição? Provavelmente, essa é uma pergunta que levará um grupo extenso de acadêmicos a passarem anos refletindo para não obterem resultado algum. Porém, o que importa é que existem duas gerações: a do Superman e a do Deadpool.


Os cidadãos de Metrópolis andavam tranquilamente pelas ruas, iam para os seus trabalhos durante a semana e ao parque da cidade no Domingo, cortejavam uma garota bonita e séria (como Lois Laine) até que essa demonstrasse interesse para que eles se casassem, os jovens estudavam ou praticavam esportes visando entrar na faculdade e todos sonhavam com uma aposentadoria tranquila e feliz.


Não havia de fato um super-herói mais adequado que o último filho de Kripton. Clark Kent passava o seu dia trabalhando no Planeta Diário, e quando tinha que resolver algum problema, corria para a cabine de telefone mais próxima e trocava de uniforme. Tendo sido salvo o dia, Clark retornava ao seu trabalho e a sua vida comum, salvando o mundo com uma reportagem de cada vez.


Com certeza, o meu avô, ou o teu, diria de Clark Kent, “Esse é um bom homem: tem um bom emprego, namora uma boa menina e tem um bom coração”. Não é a pobreza de vocabulário que o faria repetir o adjetivo, mas o fato de que apenas uma palavra pode descrever o Superman, e essa palavra é bondade.


É claro que não estou dizendo que as gerações passadas eram boas, ou correria o risco de cair em uma nostalgia pessimista, estou dizendo que as gerações passadas almejavam o bem, e que o bem não é mais visto como uma virtude, mas como uma tolice.


Vejamos Wade Wilson: antes de tudo, não se trata de um herói, mas de um anti-herói, a atualidade descobriu que é mais fácil negar coisas nobres que segui-las, e preferem trazer a desconstrução sem nenhuma sugestão do que construir no lugar depois. Wade também não segue os padrões estéticos, antes disso, é totalmente e inteiramente deformado. Sua pele asquerosa o obriga a usar uma máscara. Ao contrário de Clark, que se oculta por humildade.


E se tratando de humildade, isso é, não exigir reconhecimento ou outra forma de recompensa pelo trabalho heroico prestado, essa será outra característica que irá marcar a personagem. Deadpool é um mercenário, ou seja, trabalha apenas pelo seu interesse, pelo seu desejo de mordiscar uma parte que lhe seja benéfica. Seu heroísmo não é uma contribuição para a sociedade ou um complemento da sua carreira de trabalho, mas uma forma de obter uma vida fácil, utilizando-se dos dons que lhe foram dados.

Deadpool também não é do tipo de homem que corteja, é antes de tudo um amante asqueroso e egoísta, que já conseguiu se deitar com dezenas das mais diferentes mulheres (algumas bestiais), e depois abandonar a todas.


Vou tomar emprestado o aposto que Mário de Andrade concedeu ao seu herói indígena, Macunaíma, e atribuí-lo ao nosso Comediante Carmesim (até porque, Deadpool tem o mal encarnado até em seu nome, tal qual o herói das nossas gentes), Deadpool é com toda certeza “um herói sem nenhum caráter”.


Não há nada em Deadpool que se possa ser digno de imitar, pois até o seu altruísmo muitas vezes é errado. A versão Marvel de Deathsroke não é alguém que inspira heroísmo. O que me faz achá-lo o melhor rosto para ilustrar essa geração. Uma geração que não deseja o bem ao mundo, mas admira aqueles que conseguem se dar bem apesar das situações adversas.


É claro que Deadpool tem suas vantagens, se não tivesse, eu seria um tolo em possuir tantas revistas dele. Ora, Deadpool é um dos poucos super-heróis que sabem que não passa de uma personagem nas mãos de um roteirista. Nossa sociedade também sabe de todos os esquemas de dominação mundial, cada jovem que tem acesso a um computador sabe que tudo está nas mãos do Vaticano, da rede Globo, dos Iluminatis, dos EUA, da KGB, do Opus Dei e dos Thundercats. Nossa sociedade é portanto uma sociedade iluminada pela verdade, tal como nosso herói. Ou será que Deadpool só conhece a verdade por ser louco?


Outra semelhança interessante entre Deadpool e nossa geração: ambos sofrem conflitos de personalidade. Deadpool, por exemplo, possui um raro caso de “tripolaridade”. Ainda não consegui diagnosticar o caso dessa geração.


Por fim, o mais importante, é que caso você consiga ir aos cinemas, vai encontrar um filme no mínimo divertido, já que o Deadpool é, sem dúvidas, um personagem hilariante, e pensando bem, essa é mais uma semelhança entre Deadpool e a sociedade contemporânea.

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