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Foto do escritorCarlos Neiva

Confissões de um Doutor Estranho

Publicado originalmente em 2016.


Sempre fui muito bom no que faço. Para falar a verdade, sempre me considerei o melhor, ainda que esteja cercado de outros tão bons quanto, mas por isso eu me comprazia em me exibir e provar a minha superioridade. Isso fez com que muitos me considerassem um arrogante, e ainda que muito desejassem me ver quebrando a cara. Sabe, o mercado profissional estimula a competição das pessoas, e para quem já esse espírito, pode ser o estopim para a criação de um monstro. Eu não me via como um monstro, mas temo que muitos a minha volta sim.


O fato é que feridas me impediram de fazer o que eu fazia de melhor. Culpei os que me cercavam, afinal, se eu pudesse ter o controle de tudo, não cometeria os erros deles e não estaria dependente deles. O erro não podia ser meu e eu não podia depender de pessoas tão insignificantes e inferiores a mim.


Gastei todas minhas forças e energias em uma solução, uma cura. Mas nada que eu mesmo pudesse fazer poderia me fazer voltar a fazer o que eu fazia, e minha razão de ser estava no que eu fazia. No fundo do poço e sem nenhuma esperança, repudiei a tudo, nesse ínterim, afastei quem estava tentando me ajudar.


Convenhamos, se estou no fundo do poço, não suportando a mim mesmo, não quero que outros me ajudem, pois se o fazem, fazem por pena, e eu não preciso d apena de ninguém, pena é algo para coitadinhos. Entendam, que mesmo amando, eu não entendia nada de amor, o melhor, de ser amado. O meu ego ferido não permitia que outros se aproximassem para tentar me ajudar, pois as feridas doíam. Acabei por magoar e banir da minha história aqueles que eu mais amava.


Sozinho, desesperado por uma cura, tentei acreditar em um milagre. E depositei minha última esperança nisso, busquei meu “karmatage”.


Chegando lá, não me quiseram, afinal, meu ego impedia de aprender coisas novas, pois eu já me julgava conhecedor de tudo e a tudo queria dar uma explicação racional, mais quando se trata de milagres, não existem explicações racionais. Porém, deram-me uma chance e permitiram que eu me tornasse um aluno. Eu procurava por uma cura, eles queriam algo maior.


Meu ego, mesmo quebrado, era um estorvo para meu aprendizado, minha necessidade de explicar tudo racionalmente me impedia de conhecer coisas novas e maiores eu a pobre razão humana. Quando vi alguém com feridas piores que as minhas, mas ainda assim capaz de viver o milagre, então tentei evitar que meu ego fosse um estorvo. Cedi-me aos milagres, mas a meu modo, isto é, não por completo, mais com meus jeitinhos.


Na medida em que fui vivendo o milagre, acabei gostando daquilo, vi ali uma nova forma de conhecimento a ser aprendido e sistematizei o milagre para aprendê-lo, eu queria apenas uma cura, mas era ótimo ser bom em algo novamente. Eu realmente me dedicava mais do que os demais, e era evidente que eu progredisse mais rápido, mas a custo de quê? Não era uma competição.


As situações ficaram difíceis e recebi a proposta de ter minha cura e viver minha vidinha pregressa ou assumir responsabilidades para com o mundo, isso tudo foi confuso, mas o maior choque foi quando descobri uma verdade que eu deveria ter descoberto a muito tempo, uma descoberta que mudou minha forma de ver o mundo: não é sobre mim.


Quando se é um egocêntrico, corre-se o risco de achar que se trata de você, que o mundo e as demais pessoas são apenas figurantes ou personagens secundários, mas não se trata de você. O mundo é muito maior que isso.


Decidi por não encontrar a minha cura, embora eu perca com isso, caso eu encontrasse, o mudo perderia mais. Não é sobre mim, é sobre um mundo que precisa de ajuda. Passei do miserável que precisava de ajuda, mas não queria, para alguém que podia ajudar os demais. Talvez você ache que isso é o ideal para um egocêntrico, sair da posição de necessitado para a de caridoso benfeitor, mas não é sobre mim. Esquecer a própria ferida e a própria necessidade não é algo simples.


Talvez o meu maior milagre tenha sido recuperar as pessoas que desprezei no passado e ainda ganhar novos amigos, permitindo-me ser ajudado por eles, pude ir muito mais longe, pude enfrentar forças que pareciam gigantescas e indestrutíveis, tudo isso porque pude mudar a perspectiva do tempo. Não venci porque sou forte, venci porque fui insistente.


Hoje eu quero ajudar a curar a ferida do mundo, ou ao menos ensiná-lo a conviver com ela. É claro, ainda sou eu, fazendo do meu jeito, mas o que eu esperava, tornar-me outro? Ainda sou eu, mesmo não se tratando sobre mim. E é por isso que colaboro da minha forma, com minhas listas de ameaças, minhas soluções em livros e meu jeito sarcástico. Porque sou alguém ferido, mas alguém que aceitou o milagre para o mundo em uma nova missão, bem diferente da brilhante carreira que eu tinha.


Eu não sou o Mago Supremo. Eu não sou o Mestre Stephen Strange… também não sou Doutor Stephen Strange. Eu não tenho um manto da levitação, nem carrego uma Joia do Infinito dentro do Olho de Agamotto. Eu não sou um mago. Sou apenas um estranho que aceitou o milagre e entendeu a difícil lição para os orgulhosos: não é sobre mim.

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