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Manifesto Maximalista

  • Foto do escritor: Carlos Neiva
    Carlos Neiva
  • 11 de jan. de 2024
  • 5 min de leitura

"I hate minimalism, that's not my vibe. I want to feel like a wizard who is surrounded by the collections of his many adventures." (Hank Green).

Um amigo disse, certa vez, que não existe comida ruim, mas existe comida preparada da maneira errada. A frase faz sentido, um quiabo babando é desagradável para alguns, mas ele bem fritinho e sequinho fica bom. Um jiló pode ser demasiado amargo, mas um docinho de jiló é fenomenal. Toda comida pode ser preparada de uma maneira mais atrativa para que os nutrientes necessários sejam consumidos.


Um exemplo disso é a cenoura, raiz rica em fibra dietética, antioxidantes, minerais e β-caroteno que ajuda a preservar a visão e combate ao câncer e ao envelhecimento. Porém, pode acontecer de seu filho não gostar de comer daucus carota a natura, então o que fazer? Uma solução seria transformar essa angiosperma em uma massa assada, um bolo.


Bolo de cenoura é uma maravilha e, ao menos para mim, tem puro gosto de infância. Alguns dirão que bolo de cenoura não é cenoura, mas eu não estou aqui para discutir a metafísica das magnoliófitas. Então deixemos as questões ontológicas de lado para perguntar: você imaginou o bolo de cenoura puro? É claro que não! Todo bolo de cenoura que se preze vem acompanhado de uma generosa camada de chocolate. E outras aquisições podem ser ainda bem-vindas, a depender da imaginação do cozinheiro. Na cantina da minha escola, havia um bolo de cenoura vendido em grandes pedaços que tinha chocolate granulado acrescentado à cobertura. O bolo de cenoura mais gostoso que comi na vida tinha uma fina camada de mouse de chocolate em cima da calda.


O que faz o bolo de cenoura ser tão bom é exatamente a abertura para que mais coisas sejam acrescentadas, mas algum purista poderia dizer que é bom que o bolo de cenoura com cobertura de chocolate seja apenas bolo, ou pior, que seja apenas cenoura.


No século XX, um grupo de artistas e pensadores decidiu que uma crítica aos excessos do capitalismo seria criar uma forma de arte, e até mesmo um estilo de vida, livre de excessos. Surgiu então o minimalismo, uma estética que busca deixar apenas o que é essencial.


É claro, o minimalismo está bem longe de alcançar aquilo que ele se propõe, afinal, o que é de fato essencial? Muitos designs minimalistas são caríssimos e geram o questionamento se o minimalismo seria essencial.


A humanidade não é minimalista. É claro que, quando os povos antigos eram nômades, eles possuíam pouquíssimos objetos, mantendo para si apenas o essencial. Até porque, eles não poderiam carregar muitos pertences de um lugar para outro. Uma pessoa qualquer tem hoje mais coisas do que um grupo inteiro de seus antepassados nômades.  Entretanto, não se pode dizer que isso é uma prova da natureza minimalista do homem. O ser humano desde sempre gostou de possuir, gostou tanto que abandonou a vida nômade, porque não dava para carregar tudo que queria para si. Quando deslocamentos eram necessários, ele criou a roda e, assim, pode carregar muito mais coisas que antes.


O ser humano também gostava de cores. E esta é uma verdade sobre a Idade Média que muitos homens modernos insistem em esconder. Nos filmes, livros e aulas de história, a Idade Média é retratada como escura, cinzenta, de uma miséria tamanha e totalmente sem vida, tenebrosa aliás.  Mas, na verdade, a Idade Média era extremamente colorida, os medievais amavam cores e atribuíam significados a elas, eles também criaram um calendário que relacionava as cores com as diferentes festividades cristãs e ainda encheram os livros que copiavam com artes capitulares. Assim sendo, as casas e demais construções eram repletas de cores, assim como as túnicas e chapéus.


Na Renascença, o homem tentou se livrar da influência medieval e retornar ao ideal grego. O mármore branco tomou conta das igrejas e ruas, mas mal sabiam eles que as estátuas gregas que tentavam imitar eram todas repletas de cores e que apenas o tempo as desbotara. Sim, a Antiguidade era tão colorida quanto a Idade Média.


Em todos os casos, as cores e exageros medievais não perduraram em seu exílio por muito tempo, pois o movimento barroco de contrarreforma tratou de trazê-los novamente com júbilo. Os excessos voltaram à pintura, à escultura, à poesia, à música e até mesmo aos sermões dominicais. O ser humano com seus muitos pertences, muitas roupas e muitas cores construíram muitos atlantes e muitas cariátides. As imagens que os iconoclastas criticavam não só tinham destaque como vinha repletas de anjinhos, como nas pinturas de Battistello Caracciolo, Giovanni Baglione e Mattia Preti.


O capitalismo não foi o criador do maximalismo, este quem criou foi a alma humana, o minimalismo é quem foi criado pelo capitalismo, como negação, tal como Kant é responsável por Hegel.


Hoje em dia, se um digital influencer como Hank Green é criticado ao dizer que não se apetece pelo minimalismo, as pessoas deveriam se perguntar o que há de errado em ter, em cobrir paredes brancas e monótonas de informações e em colecionar vários objetos que, por sua vez, trazem memórias e alegrias.


O minimalismo não consegue ir contra sua antítese, o consumismo do capitalismo selvagem, antes é utilizado por ele para exigir reformas e a contratação de arquitetos, designers e decoradores. O minimalismo é consumista e desalmado. E se empresas tinham logos com vida, agora as trazem apagadas, como ocorrido na luz do olhar do Sr. Pringles, que até seus cabelos perdeu. O minimalismo tenta deixar apenas o que é essencial, mas mal sabe ele que o ser humano não é um espírito puro, e que, por isso, vive do que é acidental. Ora, é por meio dos acidentes que nos relacionamos com o mundo, então desejamos uma arte que seja acidental, que tenha tantos quantos acidentes sejam possíveis. Que dê luz ao olhar do Sr. Pringles e que lhe devolva os toucados.


Talvez alguns dirão que “menos é mais”, mas estão redondamente enganados, pois apenas o mais é mais. Se os medievais criaram a diferença entre a letra maiúscula e a minúscula, se desenvolveram a letra cursiva diferente da letra de forma, se criaram os pontos e os acentos, se inventaram os espaços entre as palavras, é porque esses excessos tornariam a leitura compreensível. O germânico que acredita que a letra maiúscula deva desaparecer não compreende a importância de se marcar o início de um período, de demonstrar respeito a alguma entidade ou ideia. Este germânico é um desalmado que pisa no túmulo de Bach, Handel, Biber e Pachelbel.


Outros ainda insistirão de que o excesso pode fazer mal, e dirão que o apelo à quantidade pode deixar “papagaiado”. Ora, o termo papagaiado é ofensivo aos papagaios, que em nada estão a fim de impressionar. Mas saibam que o que se entende por “papagaiado” não diz respeito ao excesso, mas à má combinação deste. Alguém que se utiliza de muitas cores e semelhantes deve buscar a harmonia entre elas, sendo a correta combinação encontrada, nada mais há de papagaiado.


Eu sou um maximalista declarado! Quero que cada parede branca seja coberta de informação, quero que cada período seja floreado, quero que cada imagem traga inúmeros detalhes, quero complexos arranjos musicais, quero que cada cidadão utilize inúmeras cores… quero que o bolo de cenoura tenha cobertura e muito chocolate. Na minha casa, o minimalismo não é bem-vindo, pois gosto de me sentir como um mago que coleciona os troféus de suas muitas aventuras. Amo a satisfação de ter ferramentas específicas para ações específicas e creio ser esse o ideal almejado pelos nossos antepassados, afinal, também eles preenchiam as cinzentas paredes das cavernas com desenhos e pinturas.

1 comentario


Maria Eugênia
Maria Eugênia
24 jun 2024

Pela minha experiência, também acredito nisso.

E acrescento que a estética regada de detalhes harmoniosos nos transcende com mais facilidade. Falo isso principalmente da música barroca, que para mim, não há nada igual nessa terra.

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