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Foto do escritorCarlos Neiva

Professor: uma espécie em extinção


O homem intervém no meio-ambiente desde que se entende por gente. Diversas extinções, evoluções e proliferações foram feitas por sua causa. Não haviam os tóxicos caramujos africanos em superabundância no Brasil, até o dia em que um chef de cozinha achou que eles seriam um escargot muito mais robusto. Não haviam pombos tomando conta dos centros urbanos das Américas se a belle époque não suscitasse o desejo de ter uma praga como Paris. As aves conhecidas como dodô sumiram do mundo por intervenção humana e milhares de espécie desapareceram ainda no cenozoico devido à ação humana.


Mas não só de malefícios são feitas as ações humanas, os seres humanos criaram uma infinidade de raças caninas e têm preservado espécies que já deveriam ter sido extintas pela própria lei da natureza. Os pandas e os coalas, por exemplo. Os pandas são animais obesos, que comem um alimento que não é nutritivo, o bambu, e por causa disso, devem comer toneladas dele. Muito mais fácil seriam se fossem predadores, como foram formados para o serem, mas são preguiçosos demais para isso. Sendo preguiçosos, não têm interesse por procriar e só o fazem em cativeiro a muito custo, assistindo filmes eróticos que os estimulem (sim, existe pornografia de pandas). Depois da procriação, a fêmea elege um filhote para cuidar e abandona os outros, afinal, é muito trabalhoso cuidar de vários filhotes.


E a coisa piora com o coala. Esses animais comem um alimento que é tóxico para eles, o eucalipto. Além de tóxico, não é nutritivo. Devido a isso, os coalas dormem a maior parte do dia, pois precisam guardar a pouca energia que possuem. Dormindo o dia inteiro, acabam por cair das árvores e, caindo das árvores, a seleção natural se encarregou de preservar apenas os coalas que tivessem os menores cérebros mergulhados no líquido cerebral em uma espécie de capacete hidráulico natural. Só que o cérebro diminuto faz com que eles sejam extremamente burros. Um coala, diante de um predador não é capaz de fugir, ele apenas berra, berra o máximo que pode, e desmaia em seguida, devido ao esforço. Ah, a reprodução deles é difícil, pois ele não sabe distinguir a diferença entre fêmeas e machos. Em cativeiro, um coala morre de fome, pois só consegue identificar o eucalipto se ele mesmo for até a árvore e pegar. Lembra que eu disse que o eucalipto é tóxico? Os coalas sentem constantemente dores devido à toxina do eucalipto, sem falar que vivem com diarreia. O eucalipto seria tóxico para os filhotes, que a fêmea não se esforça para alimentar, se esses antes não tivessem que comer as próprias vezes da mãe, adquirindo assim as bactérias necessárias para digerir minimamente as folhas de eucalipto.


Mas, contra todas as regras da natureza, os pandas e os coalas continuam existindo, afinal, são bichinhos fofinhos, então todo apoio governamental ou não é dado para que esses seres não se extingam a si próprios.


No Brasil, há uma espécie ameaçada de extinção, mas que – diferente dos coalas e pandas – não está recebendo o devido apoio para continuar sua existência sobre a Terra. Essa espécie é o professor.


Que a educação no Brasil está colapsando, é um fato que todos comentam com segurança, sem que mude a raiz do problema, é claro. O Brasil passa por uma série crise de educação que só será sentida de todo nos próximos anos, mas até lá, Inês é morta.


A palavra “professor” vem do latim e significa “aquele que professa”. Professa o quê? Uma fé, horas. A educação brasileira sempre esteve diretamente ligada ao mundo religioso, desde os jesuítas e, em um país totalmente laico – para não dizer ateu – continua com traços de religião.


Os jesuítas chegaram aqui nas terras tupiniquins e se puseram a catequizar os indígenas, afinal, esses povos precisavam ser salvos e a Boa Nova anunciada. Mas os jesuítas eram muito intelectuais, e não detinham seu serviço em apenas ensinar a fé, mas instruíam na língua, nas artes, na técnica e na sobrevivência. Eles trataram de aprender a língua desses povos e rapidamente registraram-na em dicionários e gramáticas. Quando famílias de ascendência europeia começaram a surgir no brasil, os jesuítas eram os tutores perfeitos.


Todos conhecemos como a história termina. O ateísta Marquês de Pombal expulsa os jesuítas do Brasil e, se a educação era precária com eles, sem eles haveria o caos total.


O tempo passa, mas o catolicismo no Brasil continua, colégios confessionais surgem por toda parte, dirigido pelos mais diversos carismas de frades e freiras: jesuítas, dominicanos, beneditinos, franciscanos, salesianos, oratorianos e tantos mais. Ficou cravado em nosso imaginário os “colégios de padres”, as escolas paroquiais e as freiras dando aulas, e também punições.


Com o tempo, os colégios religiosos foram fechando as portas – e continuam a fechá-las ainda hoje – e surgiu uma nova categoria de professores: as mocinhas solteiras que levavam jeito para cuidar de crianças. Essas mocinhas chegaram até mesmo a serem proibidas de se casar, como se fossem, como fora no passado, freiras. Quando casadas, faziam da educação apenas um “bico”, pois o marido era quem colocava dinheiro em casa, então não tinha problema receber pouco.


Onde quero chegar é que a ideia de ser professor está, desde o início, relacionada com uma vocação religiosa, que deve ser abraçada com amor e com todo seu ser. Ainda acreditamos que para ser professor deve haver “vocação”, mas não nos referimos da mesma maneira a outras profissões. Quando listados os numerosos problemas pelos quais os professores passam, argumentamos que maior deve ser o seu amor. Ser professor é uma profissão, muito digna, mas insistimos em pensar que é uma vocação religiosa. Professor não tem voto de pobreza, muito menos paga suas contas com o carinho dos alunos. Ser professor – como qualquer outra profissão – não requer que você trabalhe vinte e quatro horas por dia, mas, diferente da realidade, os professores passam madrugadas corrigindo provas e levam pilhas de atividades para corrigir em casa.


Por essas e outras, a educação no Brasil está totalmente sucateada, tanto na esfera pública quanto na privada. Os professores estão desanimados, a maioria vive a base de remédios, esperando apenas o dia da aposentadoria.  Sem ânimo, muitos têm abandonado a carreira e pouquíssimos têm entrado em cursos de licenciatura. Quando aparece um ou outro nas licenciaturas, podem ter parado ali só por que não foram capazes de passar no vestibular para algo que realmente queriam, que realmente valesse a pena. Assim, o nível intelectual dos professores tem caído exponencialmente, em especial na educação infantil.


Bastava um cenário desse para extinguir qualquer panda ou coala possíveis, mas o cenário é ainda mais insalubre, pois o professor precisa se defender de quatro formas de ataque: o governo, a direção, os alunos e os pais. Eu não vou comentar o próprio professor que – por ser uma raça naturalmente vaidosa – acaba por ir contra a própria espécie em uma arrogância e egoísmo sem precedentes; então voltemos aos grandes vilões.


O Estado é burocrático e a burocracia é a alma do Estado. Ao Estado pertence o controle da educação, seja ela pública ou privada, dá na mesma. O Estado lida com números, e são números que ele quer: uma educação o mais barata possível que dê o melhor número nos índices XYZ. Então o Estado vai trabalhar com números e também vai contar cada centavo que envia de verba. Ele não está preocupado se as salas de aulas são confortáveis, ele quer saber se é possível economizar alguns trocados colocando quarenta alunos em uma minúscula sala e que todos ainda tenham excelentes números nos relatórios bimestrais. O Estado não se importa com os professores, trata-os como celetistas, mas não lhe dão nenhum dos direitos da CLT. Mesmo funcionários concursados (e, legalmente, não deveriam ter contratos de tantos anos, e sim concursos regulares) são reféns de artimanhas de cálculo salariais que os força a trabalhar em várias escolas, sabendo que não terão uma aposentadoria digna.


Para pior, a educação está cheia de doutores, pedagogos e outras pessoas geniais que possuem mil e um teorias de como fazer o método de ensino perfeito, mas nunca pisaram em uma sala de aula, o que transforma suas divagações enfadonhas em mera utopia. Geralmente são esses sujeitos que ocupam os cargos decisivos da educação, o que deixa a clara impressão de que o Estado está conduzindo algo que desconhece.


Mas o Estado não é o único inimigo dos professores, esses encontram adversários dentro da própria escola. Diretores, coordenadores e secretários exigem que professores cumpram com metas de aprovação, dão curtíssimos prazos de correção e elaboração de provas, retém recursos, não dão suporte disciplinar e criam um clima de disputa no qual os próprios professores passam a brigar entre si.


E esses são os menores dos problemas, pois existe coisa pior. Os alunos são, em certa medida, a clientela do professor; mas são a única clientela de toda história do multiverso que não querem ser atendidos. Seria um absurdo pedir um dentista que faça obturações em pacientes que se recusam a abrir a boca ou pedir a advogados defendam pessoas que não querem ser defendidas e se acusam diante do juiz, ou ainda, pedir que uma empregada doméstica limpe uma casa que insisto em sujar a cada passo. Entretanto, achamos normal que um professor dê sua alma para ensinar pessoas que não querem aprender coisa alguma.


Jovens são naturalmente imbecis, e sempre houve o desafio disciplinar, mas nunca antes houve tanta resistência. A maioria dos jovens não tem perspectiva de carreira, não ligam para nada fora do mundo digital, não possuem capacidade de concentração, querem mexer nos malditos celulares a todo tempo, e eu nem vou entrar na alçada de que a maioria tem sua mente cem por cento dedicadas a fins copulativos.


Com as crianças a coisa não melhora, os seres humaninhos são mais agitados do que nunca e não possuem a mínima base de bons modos. Suas famílias são desestabilizadas e eles sofrem de ansiedade. A maioria está ali para matar o tempo, porque os pais não podem cuidar deles e os “largam” ali.


Há quem diga que os colégios militares são uma solução para o problema disciplinar. Obviamente, se os professores não transparecem autoridade e respeito, pelo menos que a polícia o faça. Que o aluno tema as repreensões da polícia da maneira que deveria temer as de seu professor, e como temia as repreensões dos padres e das freiras no passado. Porém, seria possível e conveniente militarizar todos os colégios? Ou seria esse um recurso último apenas para a classe média?


E os pais? Só existe uma coisa pior que aluno: pai de aluno. Os pais estão, em sua maioria, bastante ocupados para se envolver no processo educacional dos filhos. Muitos não conferem suas mochilas ou suas lições de casa, a maioria não exige disciplina de estudo nenhum do filho em casa, e fique revoltado se o bombom dele tirar notas ruins. Eles não querem se envolver no processo, mas exigem que o resultado final seja satisfatório. Nesse sentido, são piores que o próprio Estado.


Mas além dos pais indiferentes, das famílias problemáticas e das mães workaholics, existe o outro lado do vício, o extremo exacerbado, no qual os pais tomam posse do volante da educação de seus filhos com toda força, que se recusa a guia-lo junto com o professor. Não é incomum que surjam mães nas escolas reclamando do professor X ou Y que parece não ter dado a devida atenção e cuidado para seu lírio dourado. Esses pais têm mil teorias de como é educar o seu bebê e – eles também nunca pisaram numa sala de aula – acabam por esquecer que existem outros vinte e nove juntos de seu precioso tesouro. Eles só conhecem parte da história e ainda querem ensinar o vigário a rezar a missa.


Entre esses pais, estão surgindo um grupo conservador que é terrível. Eles possuem tantos métodos aprendidos no Instagram e tem tanto medo de que seus filhos sejam ideologicamente contaminados que criam uma bolha própria e não suporta a ideia de que o professor não esteja nessa bolha. Esses pais desejam ser os únicos educadores do filho, e que esse filho estudasse apenas em casa. Esses pais querem uma redoma sobre seus pimpolhos, mas se esquecem que seus filhos não viverão sob seus cuidados para sempre.


O número de professores está diminuindo, mas o de alunos e alunas não, o resultado disso vai ser óbvio, uma extinção da espécie. Sem professores, a começar pela iniciativa privada, os alunos serão submetidos a aulas por videoconferência, nas quais um único professor poderá atender duzentos mil alunos. Se a qualidade do ensino e do conhecimento irá cair? Certamente. Porém, aceite a realidade, esse é o cenário onde seus filhos e netos estarão.


Se a raça humana brasileira movesse esforços para preservar essa espécie ameaçada, deveria inicialmente promover uma nova visão não romantizada da profissão; ou até que romantize, mas de outra forma, como romantizam a medicina ou a magistratura (cujo nome está tão próximo do magistério). A mídia tem poder suficiente para promover essa mudança de visão, mas a verdade é que os poderosos gostam do cenário como está. Após se mudar a visão, os salários devem ser os próximos a sofrer alteração, indo para mais do que é. Por fim, as condições de trabalho devem ser melhoradas e os problemas relatados acima, remediados, ou ao menos atenuados.


Os professores não são burros como coalas ou preguiçosos como pandas. Eles estão dando tudo de si, sem receber muito em troca. Os professores também não são meros bichinhos fofinhos, mas são parte fundamental da sociedade, então não vai dar para ficar sem eles. Além dos bambus e eucaliptos tóxicos e subnutridos, é preciso desintoxicar e nutrir esses profissionais que, se você conseguiu ler até aqui, então deve isso a um deles.


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